Por Eduardo Primo Curti
A reforma administrativa, elaborada pelo Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados e que se encontra na fase de coleta das assinaturas para oficializar a continuidade do processo legislativo, tem sido divulgada como a solução para a melhoria dos serviços públicos e ajustes relacionados ao setor, mediante inovações concentradas nos temas estratégia, governança, gestão, transformação digital, profissionalização do serviço público e combate a privilégios.
Claro que essa melhoria seria a expectativa da sociedade; porém, após a divulgação do texto, o que se pode observar é a tentativa de introduzir alterações prejudiciais a carreiras e direitos dos servidores públicos de todas as esferas de governo do país, colocando, mais uma vez, a categoria na posição de responsável por todos os problemas do setor público do Brasil. Situação semelhante foi vivenciada na reforma da Previdência, aprovada após forte campanha que indevidamente atribuía ao servidor público a responsabilidade por “rombos” e déficits orçamentários.
A reforma administrativa, com proposta elaborada sem a participação, mesmo que opinativa, dos setores representativos da área pública, sustenta-se na clara tentativa de favorecer interesses que aparentemente não correspondam à real preocupação com a melhoria dos serviços públicos oferecidos à população. O aperfeiçoamento de serviços, eventualmente, possa ser necessário em algumas situações, mas não podemos atribuir a todos os servidores a real culpa, pois muitas das vezes o serviço desconforme decorre de questões estruturais e orçamentárias, as quais não estão sob controle da maior parte dos servidores.
Outra questão preocupante refere-se à estabilidade do servidor concursado, já que a reforma administrativa intenciona alterar regras. Não se pode distorcer a estabilidade, pois é regra básica para a continuidade plena da prestação de serviços públicos, sem interferências indevidas. Isso não quer dizer que aquele que não serve será preservado, pois atualmente a estabilidade não é uma garantia absoluta, tendo em conta a existência de legislação e instrumentos administrativos que podem ser adotados para determinar a perda do cargo de um mau servidor.
Mudança nas regras de progressão e promoção, a adoção de tabela única de salários e as inovações em relação à contratação de terceirizados/temporários, são outros fatores igualmente desfavoráveis à valorização do servidor público e que podem refletir negativamente no serviço prestado.
Esses e diversos outros dispositivos incluídos na proposta de reforma administrativa trarão consequências diretas a servidores ativos, aposentados e pensionistas, bem como à autonomia e à discricionariedade de órgãos e agentes públicos.
Vale ressaltar que, se necessária uma reforma administrativa, deverá ser elaborada mediante melhores estudos e amplos debates que realmente considerem até qual ponto o setor público precisa ser alterado e quais os limites na participação da iniciativa privada, acrescentando-se, também e de forma coerente, a previsão de permanente capacitação de servidores, a melhoria de procedimentos, planejamento e, principalmente, a valorização do servidor público.
Pelo exposto, resta a questão: a quem interessa a reforma administrativa atualmente divulgada?

Coordenador de Associativismo da AFPESP.