A reforma estadual da Previdência, no Estado de São Paulo, é paradigmática para compreender a inversão ideológica de discursos políticos de lideranças majoritárias que se valem de marketing político para mascarar seus verdadeiros propósitos de alinhamento a grupos econômicos, cujos interesses prevalecem na execução da gestão governamental, em detrimento da população e, principalmente, das camadas sociais mais pobres.
Do alto da tribuna, políticos atacam servidores públicos como supostos privilegiados, e há até aqueles que não sabem o que é decoro e proferem agressões verbais injustas e mentirosas. Mas tudo faz parte da cortina de fumaça.
Querendo a simpatia popular, político diz que não é justo servidor público ter aposentadoria integral, pois a população se aposenta no regime geral com teto de até cinco salários mínimos.
O artifício consiste em calar a verdade, ao não revelar que os servidores pagam contribuição sobre o valor total de seus vencimentos, enquanto no regime geral há limite de contribuição: cinco salários mínimos é o teto da base de cálculo da previdência e, ainda, o trabalhador da iniciativa privada recebe fundo de garantia por tempo de serviço, o que não se aplica aos servidores públicos estatutários. O engodo está em comparar 6 com 9.
O disparate chega até ao argumento de parlamentar, jurista, dizer que deve-se aprovar tudo como está, pois acolheu emenda na PEC para prever o direito adquirido na Constituição Estadual. É preciso? A Constituição Federal já garante o direito adquirido, mas ela não se aplica a São Paulo? Pela simetria, deveria ser incluído o direito adquirido nas leis orgânicas municipais!?
O mandatário majoritário queria aumentar a alíquota de contribuição para até 14%, mas um parlamentar apresentou emenda que prevê aumento escalonado até 22%. Um absurdo!!!
Regra de transição com 100%, limitado à idade para homens em 60 anos (artigo 5º)? Mas quem é pobre e começou a trabalhar desde os 14 anos, tem 37 anos de contribuição, e está com 53 anos, faltando 2 anos no regime atual, terá que trabalhar até os 60 anos, completando 44 anos de contribuição?
Tem que ter idade mínima e tempo de contribuição, mas sem regra de transição adequada, representa injustiça com quem já contribui e não tem idade no regime atual, e vice-versa.
Quem puder pagar, dará lucro para os bancos se protegendo com previdência privada. Outros irão para a iniciativa privada, onde tem limite para aposentadoria e para contribuição, e fundo de garantia, mas também não tem teto salarial, como tem o servidor público.
O serviço público está sendo desmantelado, a qualidade dos serviços à população ficará mais comprometida ainda, e as demandas da população aumentarão. Como solução, o mandatário majoritário fará a terceirização de serviços: quem ganhará? Empresas de terceirização de mão de obra.
Uma das características que a população aponta para qualificar políticos, é que eles prometem mas não cumprem. Há mandatário popular que, durante a campanha, diz que não é político e sim empresário e quer empregar seu estilo na gestão pública. Disse em debate com outro candidato que os servidores públicos paulistas são altamente competentes e valorosos, e que não iria prejudicá-los tirando seus direitos. Eleito, fala e faz tudo ao contrário e patrocina reiteradas medidas de aviltamento e desrespeitos aos direitos do funcionalismo publico. Não cumpriu o que prometeu.
Vai à imprensa e notícia os milhões de economia que está almejando com a reforma da previdência que patrocina. Mas como aqueles parlamentares, cala a verdade, ao não revelar à população, com base no princípio da transparência, os grupos empresariais ou setores econômicos que beneficia com DESONERAÇÕES FISCAIS DE QUASE 20 BILHÕES POR ANO. Opção preferencial pelas desonerações que beneficiam quem? O que se vê concretamente é apenas discurso em um sentido e prática noutro.
E, na reforma estadual da Previdência, o que se conclui é que se patrocina o interesse de grupos econômicos (previdência privada e outros grupos econômicos que manterão seus privilégios com desonerações bilionárias: 20 bilhões ao ano). Quem são os privilegiados???
Sem regras de transição justas, a inversão ideológica contra os servidores é comprovada matematicamente: quem pode começar a trabalhar nos melhores empregos públicos, por exemplo, aos 30 anos, quando contribuir por 35 anos, estará com 65 anos em condições de se aposentar. E os servidores que tem que começar mais cedo a trabalhar? Começarão a trabalhar com 14 anos, como aprendiz, mas se aposentarão apenas aos 65 anos, depois de contribuírem por 41 anos.
Esta é a prova matemática de que se faz a opção preferencial de desoneração fiscal em favor de grupos econômicos, e da inversão ideológica na defesa da reforma estadual da Previdência, sem regras justas, inclusive para a transição.
Então, acho justa a campanha: Reformas da Previdência Social + Administrativa = REFORMA DO MEU VOTO.
Paulo César Correa Borges é presidente do Conselho Deliberativo da AFPESP |