Portaria publicada pelo Ministério da Saúde em 2011 garante atendimento inclusivo e especializado nos serviços públicos de saúde à população LGBTQIAPN+; médico servidor e conselheiro da AFPESP comenta assunto
Por Otávio Augusto Rodrigues
No próximo dia 28 de junho, será comemorado Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ (conheça o significado da sigla, abaixo). A data, ampliada para todo o mês de junho, tem como objetivo dar visibilidade à luta contra a discriminação e reforçar a busca por igualdade e respeito às mais variadas identidades de gênero e orientações sexuais. Entre as principais conquistas dessa população no Brasil, está a criação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT+, instituída em 2011 pela Portaria nº 2.836 do Ministério da Saúde.
Alinhada com os dispositivos de equidade previstos na Constituição Federal e na Carta dos Usuários do SUS (Sistema Único de Saúde), a política reconhece que, historicamente, as pessoas LGBTQIAPN+ enfrentam barreiras no acesso a serviços públicos de saúde. Diante disso, busca promover ações específicas para reduzir essas desigualdades, combatendo discriminação e preconceito dentro do SUS.
Entre as diretrizes estabelecidas no documento, estão: a inclusão da identidade de gênero e da orientação sexual nos prontuários médicos; o uso do nome social – aquele pelo qual a pessoa deseja ser identificada –; e a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos dessa população nos serviços de saúde pública brasileira.
A responsabilidade pela implementação da portaria é compartilhada entre o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais e municipais, em todo o país.
"Em relação à minha época de formado, há 46 anos, houve uma grande melhoria na questão do preconceito na saúde, mas infelizmente ainda existe. Essas políticas precisam ser implementadas em maior escala. Hoje, há uma maior visibilidade para pessoas trans, por exemplo, mas ainda falta apoio psicológico, acesso a hormônios e cirurgias. No particular, poucos lugares oferecem esses serviços, ficando apenas para o SUS. Precisamos educar e treinar cada vez mais os médicos”, comentou Alvaro Rodrigues Bueno Fernandes, médico aposentado que atuou 40 anos no Hospital Universitário da USP e conselheiro da AFPESP.
Outros pontos da Política Nacional de Saúde Integral LGBT+ também determinam que os serviços de saúde ofereçam atendimento especializado, respeitando as especificidades e necessidades das pessoas LGBTQIAPN+.
Para isso, a portaria estabelece a ampliação do acesso aos processos transexualizadores – que incluem hormonioterapia, redesignação sexual, mastectomia e implante de silicone, por exemplo –, e de ações de prevenção para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), historicamente mais incidentes nesse grupo.
Medidas que envolvem o incentivo à pesquisa na área e definição de outras metas sanitárias que garantam o acesso pleno dessa população ao SUS também estão listadas no texto.
Serviços públicos de saúde em combate às ISTs
Na cidade de São Paulo, os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) da prefeitura têm se destacado na prevenção e tratamento de ISTs. Entre os serviços oferecidos, estão: coleta de exames e testagens para HIV, hepatites B e C, sífilis, clamídia, gonorreia e outras ISTs; tratamentos preventivos; aconselhamento e encaminhamento de pacientes para o Serviço de Atendimento Especializado (SAEs) e Unidades Básicas de Saúde (UBSs).
Contra o HIV, os CTAs também disponibilizam intervenções medicamentosas, como profilaxia pré e pós-exposição (PrEP e PEP) e a primeira terapia antirretroviral (Tarv), em caso de resultado positivo do paciente.
O Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS) estima que a prevalência da infecção por HIV entre gays e outros homens que fazem sexo com homens é de 18% do total dessa população no Brasil. Entre pessoas transexuais e travestis, o índice chega a 30%. Na população em geral, a taxa é de 0,4%.
Segundo o boletim epidemiológico sobre HIV e Aids da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, do Ministério da Saúde de 2024, mais de um milhão de pessoas vivem com o vírus HIV no Brasil.
“Quando surgiu a chamada epidemia da Aids [nos anos 80], o atendimento era feito quase exclusivamente pelos hospitais públicos, principalmente o Emílio Ribas, em São Paulo. Os hospitais particulares evitavam, por desconhecimento e muito preconceito. E, graças a Deus, o SUS encampou essa doença, fornecendo medicação — que, na época, era caríssima — e apoio à população afetada", ressaltou Alvaro Rodrigues Bueno Fernandes.
Bandeira do SUS hasteada ao lado das bandeiras do Brasil e do movimento LGBTQIAPN+. Foto: Edu Kapps/SMS-Rio.
Significado da sigla LGBTQIAPN+
Visando tornar o movimento mais inclusivo e representar as mais variadas identidades de gênero e orientações sexuais existentes na sociedade, a sigla foi se ampliando com o tempo e mudou consideravelmente desde a implementação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT+, em 2011.
Em constante evolução, atualmente o termo mais usado é o LGBTQIAPN+. Veja o significado de cada letra:
- Lésbicas: mulheres que sentem atração sexual e/ou afetiva por outras mulheres;
- Gays: homens que sentem atração sexual e/ou afetiva por outros homens;
- Bissexuais: pessoas que sentem atração sexual e/ou afetiva por mais de um gênero;
- Transgêneros, transexuais e travestis: pessoas que não se identificam com seu gênero biológico e assumem uma identidade diferente da atribuída ao nascer;
- Queer: identidades e expressões de gênero e sexualidade que não se encaixam nas normas da heteronormatividade (de heterossexualidade ou binarismo de gênero), como drag queens;
- Intersexuais: pessoas nascidas com características biológicas (genitais, hormônios, etc.) que não se enquadram nas definições típicas de sexo masculino ou feminino;
- Assexuais, agênero ou arromânticos: aqueles que não sentem atração sexual por outras pessoas;
- Pansexuais: quem se atrai por pessoas independentemente do gênero;
- Não binários: pessoas que não se identificam com nenhum gênero, ou que se identificam com vários gêneros;
- +: representa outras identidades e orientações sexuais não mencionadas na sigla e gêneros fluidos, reconhecendo a vasta diversidade que existe.