Por Gilberto Natalini
A preservação do meio ambiente não é uma tarefa isolada de governos ou instituições: é uma missão coletiva que começa dentro de cada indivíduo. E é pela via da educação que despertamos essa consciência essencial. Mais do que transmitir informações técnicas sobre ecossistemas, biodiversidade ou mudanças climáticas, a educação ambiental propõe uma verdadeira mudança de mentalidade – uma forma de ver o mundo como um organismo vivo, interdependente e frágil.
Muito se fala hoje sobre a necessidade de dignificar as condições de vida humana, principalmente quanto à acessibilidade a serviços básicos de infraestrutura. Entre esses serviços, um que merece atenção é a coleta e o destino correto do lixo que produzimos todos os dias.
Infelizmente, diversas cidades brasileiras ainda sofrem com a existência de bairros que não recebem a coleta de lixo adequada. Isso acontece por diversos motivos, como: irregularidade de áreas (cidades informais); ausência de possibilidade de acesso por parte dos caminhões de coleta (ruas estreitas); ou falta de planejamento e investimento público. Nessas regiões, o resíduo doméstico acaba sendo jogado nas ruas, em córregos ou terrenos baldios. Em alguns casos, ele é até queimado, o que prejudica a saúde de quem vive no local e vai contra legislações importantes, tais quais a Lei nº 12.305/2010, que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, e a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998).
Apesar da obrigatoriedade legal, o Brasil ainda enfrenta problemas na gestão de seu lixo. Segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, da ABRELPE 2023 (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), quase 43% dos resíduos sólidos urbanos ainda são destinados de forma inadequada, sendo depositados em lixões e aterros controlados sem critérios técnicos ou sequer são coletados. Isso contribui para a contaminação de solos, aquíferos e a proliferação de vetores transmissores de doenças como dengue, leptospirose e chikungunya.
Com isto, entendemos que, não é apenas porque o lixo desapareceu da porta das nossas casas, que ele deixa de ser um problema. O destino final dos resíduos sólidos é uma responsabilidade compartilhada, mas que deve começar com o cidadão. Cada brasileiro produz, em média, 1,04 kg de resíduos por dia. Considerando uma expectativa de vida média de 76 anos, um único indivíduo pode gerar cerca de 29,4 toneladas de resíduos ao longo da vida.
Frente a esse volume, a aplicação do Princípio dos 3Rs: Reduzir, Reutilizar e Reciclar, torna-se indispensável. A prática de redução do resíduo gerado na fonte, ou seja, nossos ambientes domésticos, implica na mudança de hábitos de consumo e na eliminação do desperdício. Já a reutilização consiste em estender a vida útil dos materiais, promovendo circularidade. Por último, a reciclagem transforma resíduos em novos produtos, inserindo-os novamente na cadeia produtiva.
Esses princípios, contudo, não devem ser adotados como soluções isoladas. O esforço individual é necessário, mas insuficiente. O enfrentamento da crise dos resíduos sólidos exige políticas públicas estruturadas, infraestrutura adequada e governança articulada entre União, Estados e Municípios. A Lei nº 12.305/2010 estabeleceu o fim dos lixões até 2014, prazo que não pôde ser cumprido. Em 2020, com o novo Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), os prazos foram revistos. Capitais e regiões metropolitanas deveriam encerrar seus lixões até 2021, cidades maiores até 2022 ou 2023, e as demais até 2024. Mesmo com o novo cronograma, a maioria dos municípios ainda não cumpriu a meta, evidenciando o descompasso entre a legislação e sua implementação prática. Logo, entende-se que ainda existe um longo caminho a ser percorrido.
Ainda assim, é importante reconhecer que alguns municípios e iniciativas têm se destacado positivamente na gestão dos resíduos sólidos. Cidades como Curitiba (PR), Santos (SP) e Florianópolis (SC) conseguiram avanços expressivos, investindo em educação ambiental, coleta seletiva estruturada e parcerias com cooperativas de catadores. Além disso, o crescimento de políticas de logística reversa em setores como eletrônicos, pneus e embalagens tem mostrado que, quando há integração entre poder público, setor privado e sociedade, é possível transformar a problemática dos resíduos em oportunidade de renda e desenvolvimento local.
A gestão de resíduos sólidos também faz parte da atuação da AFPESP voltada à sustentabilidade e à responsabilidade ambiental. Uma de suas ações é a campanha de redução de desperdício nos restaurantes das Unidades de Lazer e Sede Social, para que o púbico repense hábitos e evite jogar comida fora. Também há lixeiras de coleta seletiva e tambor de coleta de óleo de cozinha, incentivando a separação correta dos resíduos.
Desta forma, a solução está em repensar nossos hábitos, fiscalizar as ações do poder público e agir de forma mais responsável no dia a dia. O futuro depende do que escolhemos fazer com o que descartamos.
Gilberto Natalini é coordenador de Meio Ambiente da AFPESP, médico gastrocirurgião e ambientalista. No setor público destacou-se como secretário do Verde e do Meio Ambiente e secretário executivo de Mudanças Climáticas da cidade de São Paulo. Eleito vereador de São Paulo pela primeira vez em 2000, cumpriu o seu quinto mandato até 2020. É autor de 419 projetos de leis e tem 147 leis aprovadas. Suas principais bandeiras de vida são a democracia, o desenvolvimento sustentável, maior equidade social e a moralidade pública.