Doutor em educação pela USP, Pedro de Souza Santos chama a atenção para o ensino de história da África e cultura afro-brasileira nas escolas do país como estratégia de combate ao preconceito
Por Leandro Silva
O Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi instituído no Brasil em 2011, pela Lei nº 12.519. A data é a mesma da morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, e evidencia a luta dos negros escravizados por direitos para a população afro-brasileira. O objetivo, a partir da resistência, é conquistar corações e mentes para o combate ao racismo na sociedade.
Este ideal de progresso coletivo, expresso na Constituição Federal de 1988, por meio de repúdio ao preconceito racial, definido como crime inafiançável e imprescritível, depende da formação de cidadãos brasileiros conscientes de seus direitos e deveres. A educação escolar tem papel fundamental no desenvolvimento de um país antirracista, segundo especialistas.
É o que afirma o doutor em educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) Pedro de Souza Santos, professor de história desde 1995, que atua para valorizar o papel do negro na formação do Brasil. Em 2018, ele concluiu a tese “A história da África e cultura africana e afro-brasileira em livros didáticos da Educação de Jovens e Adultos (EJA)”.
Pedro de Souza Santos/Arquivo Pessoal
O estudo, disponível na biblioteca digital da USP, abordou o fato de que, desde 2003, escolas públicas e privadas de ensino fundamental e médio de todo o país devem promover o tema. A definição consta na Lei nº 10.639, que alterou a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em 1996) e incluiu a questão racial no currículo oficial da rede de ensino brasileira.
Embora haja legislação específica sobre o assunto, o ensino de cultura afro-brasileira ainda é um desafio nacional. Em 2019, por exemplo, o governo federal acabou com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), criada em 2004, na esteira da Lei nº 10.639/2003.
“A onda conservadora dos últimos anos travou políticas públicas de inclusão, diversidade e questões étnico-raciais, o que se sentiu dentro da escola. A discussão ficou a cargo de alguns professores e gestores militantes da causa, de maneira individualizada”, diz Santos, hoje vice-diretor da Escola Estadual Nanci Cristina do Espírito Santo, localizada em Poá.
O educador lembra que, diferentemente da época em que a lei foi sancionada, falta investimento em formação de professores para a temática racial. Além de apontar para a importância de o exemplo vir de cima.
“Como se ensina aquilo que não se sabe? De modo geral, precisamos de pessoas envolvidas com a ideia, que pensem e resgatem a função dessa legislação. O alto escalão, quem faz política pública, precisa ter sensibilidade para o assunto.”
A escola onde ele atua no interior do estado realiza frequentemente rodas de conversa, palestras, reuniões de professores e outras atividades de conscientização voltadas à cultura negra. Cartazes espalhados pelo prédio completam os trabalhos.
“É uma ação sem fim, contínua. Temos que refletir sobre o preconceito e trabalhar isso em sala de aula. As crianças, adolescentes e adultos, todos em constante formação, precisam ouvir mais sobre nossas raízes africanas, ver contraponto da história substancialmente europeia.”
Por mais que a unidade de ensino desenvolva conteúdo antirracista, naturalmente estimulada pela direção, há obstáculos.
“Muitos estudantes chegam desinformados. Hoje existem diversos canais de internet com informações deturpadas. Nosso maior desafio, por exemplo, é desfazer o preconceito com religiões de matriz africana. E só conseguimos falando delas, com informações e dados confiáveis.”
Um dos caminhos para superar o entrave, sugere o professor, é estabelecer parcerias de luta antirracista com as universidades, revendo abordagens em cursos de licenciatura e pedagogia, principais portas de entrada para o magistério.
“O que é produzido na academia, pesquisas sobre história da África, religiosidade, são elementos essenciais para a reflexão crítica.”
Hoje professor, pesquisador e militante da causa negra, Santos sofreu racismo ao longo da vida, o que inclusive o levou a estudar o problema.
“No início do curso de história tentei trabalhar em banco, para me sustentar. Fiz entrevista de emprego e fui rejeitado simplesmente pela cor da minha pele. O episódio colaborou com a minha formação, ajudou-me a ter mais vontade de mostrar que o diferente é só diferente, nada além disso”, recorda.
A função de servidor público permitiu a trajetória de uma carreira que já soma quase 30 anos.
“O concurso público e a política de cotas, válida inclusive nas seleções de Estado, tornam o acesso mais justo e igualitário, rompem a lógica do preconceito no trabalho. Isso considerando o cenário do setor privado, que valoriza muito, de forma equivocada, a meritocracia.”
Favorável à política de cotas, o especialista sinaliza que é necessário explicar o contexto da medida, que se inicia como reserva social e se expande com caráter racial, não só do negro, mas de outros grupos étnicos.
“É preciso tratar os desiguais de forma desigual para que, lá na frente, consigamos nos aproximar do ideal de igualdade”, pondera.
Neste 20 de Novembro, às vésperas de a Lei 10.639 completar 20 anos (janeiro do ano que vem), o desejo do servidor público é um só:
“Uma sociedade mais igualitária, em todos os sentidos. O Brasil é uma nação diversa, onde preconceitos não são aceitáveis. Espero que os cidadãos, negros, brancos, de qualquer origem, entendam que uma educação antirracista, um país antirracista, é obrigação de todos nós.”