Acompanho diversos pacientes com demência de Alzheimer, desde aqueles em fase inicial da doença aos casos mais avançados, em que a comunicação torna-se um desafio. A falsa crença de que todo idoso apresenta esquecimentos ocasiona, na maioria das vezes, um atraso diagnóstico da maioria dos portadores de demência, privando-os da chance terapêutica precoce, que possibilitaria retardar a velocidade de evolução do quadro demencial.
Já no contexto de doença, temos pela frente a missão de acolher paciente e familiares frente à evolução inexorável de uma doença que descaracteriza a pessoa querida e a torna alheia ao mundo ao seu redor. De um lado existe a vergonha pelos esquecimentos, a depressão e o isolamento ao perceber-se incapaz de realizar as tarefas antes rotineiras. De outro lado, a frustração da ausência de cura, o medo de ser esquecido por quem se ama, a dor ao ver conhecido transformar-se em desconhecido, com comportamentos imprevisíveis e não poucas vezes, agressivos.
Apaixonei-me pelos pacientes de Alzheimer desde muito cedo na geriatria. Em meio a tanto caos e dias progressivamente mais difíceis na vida dessas famílias, enxergo algo muito maior do que nós e nossa limitada sabedoria. É possível que se esqueça como pagar contas, como cuidar das finanças, o caminho de casa, como se banhar, a troca de roupa, se já comeu ou não. É possível que se esqueça uma vida, a família, os amigos, quem se foi ou se julgou ser no mundo. Mas nunca, em nenhum momento da nossa jornada, esquecemos o que é amar.
O Alzheimer não torna idosos crianças. Essas pessoas tem uma história, passaram por situações que muitos de nós seríamos incapazes por não possuirmos sua sabedoria e sua vivência. Enfrentaram dificuldades que possivelmente nós nem venhamos a saber. Eles não são só um diagnóstico, um estigma. Eles viveram e vivem.
O que o Alzheimer faz é tão simplesmente nos levar ao reencontro da nossa essência: a essência de amor puro e incondicional que habita em cada um de nós. Pode ser que esse paciente não faça ideia de quem seja aquele sujeito que fita seus olhos diante do espelho, mas se você olhá-lo com amor, ele vai corresponder. Se você trouxer uma lembrança que desperte sua paixão de viver, ele vai reagir a ela. Se encontrar o caminho do seu coração, será capaz de se comunicar com ele através do fogo que arde em seu olhar. Não, o Alzheimer não os torna crianças; os torna guardiões do propósito da vida.
Se você se identifica com esse relato, ou possui algum familiar que esteja passando por problemas de memória ou declínio cognitivo, agende uma consulta com seu geriatra, que poderá investigar o problema e, se necessário, encaminhar para outros especialistas.
Lembre-se: esquecimento não é “coisa da idade”. Nem todo idoso desenvolve quadros demenciais que comprometem sua memória e autonomia. Priorize sua saúde!
Dra. Maíra Borges Borges é geriatra do Ambulatório Médico da AFPESP. |
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